terça-feira, 5 de agosto de 2014

A Mosca no Café



O relógio é carrasco: ela o fita com sofrimento, pedindo um alívio, um descanso, um perdão, pelo menos naquele dia. Ele não cede, jamais. Conformada, ela olha para a vida lá fora, a mesma coisa; olha para a tela na sua frente, tenta se distrair, ou melhor, se preocupar com algum assunto, e nada. Tudo o que deseja é ir embora. A imensa parede de vidro fumê, que possibilitava uma ampla visão do lado exterior (embora quem estivesse de fora nada podia ver do lado de dentro) da rua e dos carros que por ela passavam, era uma faca de dois gumes: se por um lado era um escape visual que a levava a lugares longíquos, por outro aquela contemplação monótona alimentava ainda mais a preguiça. O vai-e-vem dos veículos, uma sincronia repetitiva, fazia o ar daquelas vias se movimentar ainda mais, batendo nas folhas das mangueiras e palmeiras. O farfalhar das árvores dava a impressão de uma longa e sensual tarde de verão campestre. Olha novamente para seu carrasco: tinha corrido apenas um minuto. Alguém entra na sala: a colega de trabalho. Logo depois chega outra, outra e mais outra. O dia começou, o ambiente se movimenta. O silêncio disse Adeus. Teve uma ideia: a ideia de fazer café. Isso, nossa, como se empolgava com esse instante do dia. O instante em que se distraía com a esperança de que tudo iria mudar. Sim, estaria ocupada fazendo o café para as pessoas, colocaria o pó e a água na cafeteira, apertaria o botão e esperaria até o cheiro subir e o líquido negro descer. Então, distribuiria de forma igualitária esta limitada porção de café em pequeninas canecas que mais pareciam xícaras, e levaria gentilmente a cada uma de suas colegas. No final, ela mesma sentaria em sua mesa com aquela poção mágica de cafeína. Na esperança de despertar. Pensava nos operários das fábricas inglesas no século 19. Chegavam a trabalhar quinze, dezesseis horas por dia. Seria isso possível? Até mulheres e crianças eram submetidos a esse tipo de desgaste físico. Para evitar a vontade de dormir, consumiam litros de café. Logo após a Revolução Industrial, a exportação de café se tornou um negócio muito lucrativo, e o Brasil chegava a ser um dos maiores produtores e exportadores do produto. Iniciava-se a era da monocultura cafeeira. Tudo o que acontecia na economia brasileira girava em torno do café. E tudo, é claro, direcionado para a exportação. Dinheiro público era gasto na compra de estoque, para que seu preço se elevasse no mercado internacional. Seus próprios governantes faziam parte da elite cafeeira. Ah, o negrinho! Como cheira bem. Enquanto o consumo de café se difundia pelo mundo afora, os operários ingleses, personagens das histórias de Karl Marx e Charles Dickens, não dormiam; desmaiavam. O café era a droga dos trabalhadores e o combustível da produção industrial. Depois, pensava na Sibéria. Naquela prisão para onde iam os criminosos, infratores da lei, e mais tarde os presos políticos. As gulags. Eram submetidos a trabalhos forçados, o dia todo, todos os dias, passando frio, fome, e significativas privações. A situação deles era bem pior do que a dos operários ingleses, e a destes, era bem pior do que a sua. Logo, deveria estar contente. Pensava, afinal, que a vida não era tão dura quanto parecia. Apesar dessa constatação, sentia sua coluna doer como se tivesse sido submetida a dez dias de trabalho forçado. Não dormira bem naquela noite, nem na noite passada e tampouco nas anteriores. Gostava de se entregar a devaneios. Sempre o fazia de olhos bem abertos, para não cair na tentação de apagar de vez. Na sua imaginação, havia um quarto enorme; nem claro, nem escuro, mas com a penumbra provocada por uma cortina que tenta, sem sucesso, evitar a entrada dos raios de sol. É uma tarde de verão, ou talvez uma linda manhã, e no quarto se vê um tom rosa-aurora. Uma cama grande, de casal, com colchão macio, alto e espesso. Os lençóis brancos, 500 fios, e os travesseiros de pena de ganso enfiados em fronhas do mesmo conjunto dos lençóis. O clima era o mais agradável possível, nem quente, nem frio; nem seco, nem úmido. O tempo parecia não passar ali; o relógio era um velho amigo de infância, que a guardava e a vigiava enquanto ela repousava seu corpo e descansava a mente, alheia a qualquer ruído ou problema vindo de fora. Era dia, sim. Todos estavam acordados, corriam como loucos de um lado para outro, como se suas vidas dependessem daquilo. Enquanto isso, ela fechava os olhos tranquilamente, e experimentava o silêncio, a calma e a paz de uma noite bem dormida. O telefone toca, é para ela. Você precisa entregar um relatório até o meio-dia. Não tinha problema, ela podia fazer. Não se preocupava com o trabalho. Seu cansaço não era mental, tampouco físico. Podia passar o dia inteiro fazendo planilhas, escrevendo e entregando documentos de andar em andar, contanto que não precisasse falar com ninguém. Ter que abrir um sorriso, fingir que não estava cansada, rir das mesmas piadas e ouvir as mesmas lamúrias de todos os dias: eis o seu calvário. Era preguiça social! Toda a cafeína do mundo não era suficiente para o despertar de um interesse social. Ela sente as pálpebras caírem. Opa! Alguém comenta sobre algum famoso e pede sua opinião. Ela só consegue pensar nos operários ingleses do século 19. Depois do almoço, ouve o canto dos pássaros naquela rua residencial, deserta, calada. Tinha sorte de ainda poder ouvir o canto dos pássaros, pois aquele som lhe dava energia. "Aqui, sinto que há vida." Logo depois, o sono voltava. Pensava na Mosca da Sonolência, um pequeno inseto oriundo de países tropicais, muito comum em Salvador, Bahia. Este animal era muito nocivo para as pessoas, pois ao picar a vítima, transmitia-lhe um protozoário causador da Doença da Preguiça, que fazia a pessoa perder a agilidade e o entusiasmo para o trabalho. A Mosca Tze Tze. Era a mosca do seu café.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Criadores

O Monte Olimpo, que normalmente apresentava uma temperatura agradável e o céu limpo e ensolarado como uma manhã primaveril, experimentou um momento de nuvens gélidas e vento uivante. Era a inesperada presença de Hades, Senhor do Submundo, que chegava ao Palácio do Olimpo com um curioso ar de urgência, subindo sei hesitar as escadas que o levavam aos jardins e ao grande portão. Na entrada, depara-se com Ganimedes, que faz uma reverência e oferece a ele uma taça de néctar.
- Não. Preciso falar com Zeus. Podia fazer a gentileza de me levar até seu gabinete?
- O senhor tem hora marcada?
- Mas é claro. Ontem mesmo lhe enviei um e-mail solicitando esta audiência.
- Pelo elmo de mercúrio! Como pude eu não ter sido informado desta ilustre visita.
- E nem era preciso. Meu assunto com ele é particular e não vai tomar muito tempo, então não será necessário fazer cerimônia para que eu seja recebido.
- Por aqui, por favor. Siga-me até o elevador.
Ganimedes acompanhava Hades no percurso daquele imenso corredor forrado de tapete e adornado com estátuas de ouro. Da metade da parede até o teto, grandes aberturas em forma de arcos permitiam a entrada da luz solar, assim como a circulação do ar. O teto daquele largo e infindável corredor era coberto por pinturas clássicas, que contavam as histórias dos moradores daquele palácio.
- Diga-me, onde se encontram os outros deuses? O palácio está tão vazio.
- Estão naturalmente todos ocupados com seus ofícios, metendo as fuças na vida dos mortais.
- Muito bem, fico contente ao saber que não são todos que se desvirtuam de suas funções.
- Desculpe-me, mas o que o senhor quis dizer com isso?
- Esqueça.
Após uma longa caminhada, chegaram finalmente à porta do elevador. Ganimedes apertou o décimo segundo andar, e pediu para que Hades entrasse. Logo depois ele informou que o gabinete ficava na primeira e única porta avistada na saída do elevador, atravessando um hall.
- Obrigado. - agradeceu o Deus dos mortos.
Ao ouvir o toque de chegada ao último andar, as portas se abriram e ele não teve dúvidas: lá estava o escritório do Deus dos raios. Subiu uma escadas e já sentia os raios de sol penetrarem sua visão. O gabinete, na verdade, era um espaço aberto, que ficava na cobertura do Palácio. Um enorme salão retangular ladeado por colunas jônicas,em  cujo interior não havia nada. No final, após andar uns cinquenta passos, uma escada de porte médio levava a uma gigante poltrona de ouro adornada com uma águia, também dourada.
Com aparência de ancião e físico de um jovem guerreiro, Zeus ostentava uma barba e cabelos abundantes, apesar de grisalhos. Ao seu lado, uma jovem sentada em suas coxas sussurrava algumas palavras.  Ao ouvir um pigarro vindo de baixo, o filho mais novo de Chronos tentou logo se recompor, afastando-se gentilmente da jovem e se levantando da poltrona dourada.
- Pelas barbas de Netuno! O que diabos estás fazendo aqui em cima, meu irmão?
- Saudações. Venho para tratar de negócios. Da família, naturalmente.
Zeus sussurra alguma ordem nos ouvidos da bela jovem, que faz um sinal positivo com a cabeça, como se concordasse, e logo informa que estará no mesmo jardim de sempre, com o iphone ligado, esperando sua visita.
- Oh sim, sim. Qual é mesmo o jardim? o das acácias?
- Não. Este deve ser com outra jovem. O nosso é o das azaléias.
- Claro! Como pude me esquecer!
Com um movimento sensual, a jovem sorri discretamente para Hades, como se estivesse se despedindo, e caminha até a saída. Assim como Zeus, o deus dos mortos acompanha seus movimentos, principalmente observando suas fartas e jovens nádegas. Zeus sorri para o irmão:
- Uma gracinha a Polímnia, não acha?
- Sim, sim. Nossa irmã deve estar realmente satisfeita com o casamento de vocês. - comentou ironicamente.
- Hera não tem do que reclamar... Mas você não viajou tantos espaços para falar de mulheres, não é mesmo?
- Não. Vim falar do seu filho, o meu sobrinho Ares.
- Pois então, fale. O que lhe aflige no rapaz?
- Serei lacônico: você sabe que na Terra dos Mortos também existem leis e regras. Por exemplo, não podemos admitir o tempo todo espíritos bons que morrem de morte morrida, como se diz no nordeste brasileiro. Existe um limite para isso. Também precisamos de almas que morreram de morte matada e outras tragédias. As vagas precisam ser preenchidas.
- Não consigo entender onde o irmão quer chegar.
- Vou direto ao ponto: nos últimos dias, Tanatos, o mensageiro da morte, praticamente não tem me trazido soldados mortos, nem acidentes de trânsito ou assassinato com requintes de crueldade. Todas estas vagas precisam ser preenchidas para que o Inferno funcione como deve! E onde está Ares numa hora dessas que não cumpre com seus deveres? está ocupado com campeonatos esportivos e relações extraconjugais. Ele é o Deus da guerra, o responsável pela violência e pelos acidentes.Você precisa dar uma regulagem no seu filho, pois é o chefe do Olimpo e precisa manter a ordem e o equilíbrio das relações. Sem tragédias no mundo dos vivos, o Outro Lado será gravemente afetado, o que pode provocar um verdadeiro descompasso e gerar caos no Céu e na Terra.
- Tens razão, prezado irmão. Falarei hoje mesmo com o moleque. Acho que um ataque terrorista nos EUA e uns tapinhas ali na Faixa de Gaza deve resolver seu problema com a falta de pessoal.
- Espero que sim. Mas não adianta fazer isto uma vez, tem que ser regularmente. E ele não deve esquecer que acidentes, guerras e ataques é muito bom para resolver um problema de urgência, pois arrecada mais almas de uma só vez, no entanto, existem cargos no Submundo que só aceitam vítimas de crimes passionais, o que é mais trabalhoso, porém essencial. Peço que ressalte isto para ele.
Ao dizer estas palavras, Hades teve um súbito devaneio. Ele estava na Baixa Idade Média, há séculos atrás, visitando a Terra com seu mensageiro Tanatos. Olhava aquelas vastas pradarias de algum lugar da Ásia, Europa ou África, e facava encantado com o tamanho das terras. O Inferno fazia aniversário. Era uma época comemorativa. Passavam anos comemorando. Ele prometeu a Tanatos que aquela época seria inesquecível para o Submundo e também para todos os outros mundos. Um rato preto atravessava seu caminho, então ele teve a ideia de apanhar o animal e falar-lhe:
- Ouça, amigo, preciso que você mande uma mensagem para os humanos. Esta mensagem vai incomodar um pouco, fará mal a você e aos seus semelhantes, mas prometo um lugar de privilégio no Submundo, se fizer tudo direito. Eis a mensagem.
Hades tirou do bolso um frasco de vidro contendo duas pulgas, portadoras da bactéria yersínia pestis; uma macho e outra fêmea. Abriu o frasco e libertou o casal de artrópodes nos pelos do animal.
- Não se preocupe com a quantidade- disse- elas vão se reproduzir. A mensagem chegará a todos.
Foi uma festa no Mundo dos Mortos. Nunca se vira as alma chegarem com tanta rapidez, e em tanta quantidade. A Peste chegou a mandar tantas almas que não houve tempo para elas serem substituídas na Terra. Zeus chegou a ficar furioso com Hades, pensando que os mortais poderiam perder a fé e parar de venerá-lo, mas enfim entendeu que se tratava de uma época especial, uma comemoração. Bons tempos aqueles.
Após o rápido devaneio, o Deus dos Mortos retorna a si com a chamada do irmão:
- Está me ouvindo?
-Como?! Desculpe, pode continuar...
- Não se preocupe, tudo será feito. Você verá, afinal, nunca deixei um irmão persistir numa situação como esta. - dizia, abraçando-o levemente pelas costas e o conduzindo à saída do gabinete.
- Fico muito grato pela disponibilidade. Até algum dia.
- Até. Mande lembranças para Perséfone!
Ao voltar para o Inferno, Hades já sentia a diferença do ar, para ele, mais familiar do que aquele do Olimpo. O Inferno era um local naturalmente escuro, iluminado por tochas, o que tornava o local quente, abafado e impregnado de fumaça. Ali não batia nem vento, nem sol, tornando o clima muito desagradável. Nos Campos Elísios era diferente, pois este lugar estava adaptado para os seus hóspedes, pessoas acostumadas com o clima da superfície. Hades habituara-se ao abafamento do Mundo Inferior, e não se sentia mais confortável em nenhum outro local.
Atravessando a sala de estar, encontrou sua esposa, Perséfone, sentada muna poltrona assistindo à televisão. Eram programas sobre a vida dos mortais. Hades não pôde deixar de comentar.
- Perséfone, minha bela Perséfone. Não cansa destas novelas? os mortais são todos iguais, o enredo não muda nunca. - sentou-se ao lado dela.
- Meu Senhor, estou emocionada com as histórias de alguns dos nossos futuros hóspedes. São terríveis.
- Não diga isto, minha querida Perséfone. Você sabe muito bem que cada mortal tem o que merece. Eles não aprendem nunca.
- Às vezes tenho dúvidas. Veja, por exemplo, o caso desta alma encomendada para amanhã. Chama-se Vítor Mainardi. Deixou o seu país para viver com a mulher que ama em um lugar tão distante quanto inóspito. Eles se amam, mas as diferenças são evidentes demais. Eles brigaram. Ele vai tomar o avião para voltar à sua terra. Vai morrer num acidente. Ela está arrependida, quer pedir desculpas, quer que ele fique. Ela está esperando um filho dele, mas não sabe se deve contar. Talvez ele fosse mais feliz num lugar com maiores oportunidades. Ele vai morrer sem saber que deixou um filho e sem saber que ela queria que ele ficasse. Por que tinha que ser ele?
Levantou com ímpeto e bateu na parede:
- Oras, como ousa?! Como ousa questionar os selecionados? Tanatos sabe muito bem da hora de cada um.
- Não se exalte, apenas fiz um comentário.
- Inoportuno. Você perde muito tempo com esses mortais. Sabe que os humanos são todos uns fracos e que merecem seus destinos. Vivem cada dia como se não fossem morrer nunca, como se tivessem toda a eternidade para escolher o melhor e encontrar a felicidade. O problema dos humanos é este: acham que podem controlar tudo, até mesmo seus destinos. Acumulam vícios, rancores, obsessões...passam a vida inteira querendo mudar o outro, e quando enfim perdem alguém querido, é que se dão conta de sua insignificância e passam a endeusar o defunto. "Nossa, como fui mesquinho, como fulano era bom, olha tudo o que ele fez por mim". O problema dos humanos é que eles não sabem viver o momento. Estão sempre preocupados com o passado e com o futuro. As pessoas acham que se livrando de um problema, tudo será maravilhoso e a felicidade virá, mas os problemas sempre existirão, serão substituídos por outros. Não tem como fugir deles. Tem que viver cada problema como se fosse uma bênção, uma oportunidade para crescer. Se esta moça que vai perder o amante realmente o tivesse amado, teria aceitado e encarado todos os problemas, não seria tão negativa e crítica com ele. Agora que vai perde-lo, o sentimento de culpa vai norteá-la pelo resto da vida. E o sentimento da perda vai se expressar nos próximos relacionamentos, assim como no relacionamento com o seu filho que está por vir. Ela será uma mãe sufocante e autofágica. Vai proteger tanto o filho de males imaginários, que ele vai crescer desconfiado, e além de tudo, associará o amor a perdas e autodestruição.
- Como você chegou a esta conclusão?
- Os humanos são previsíveis. Eu me aborreço.
- Ela podia ter contado a ele sobre a gravidez. Dessa forma, ele teria um motivo para não ir embora.
- Sim, é o que ela devia ter feito. Mas os humanos gostam de sofrer, gostam de um drama. Por isso, sempre damos a eles o que nos pedem.
- E o rapaz, por que morrer tão jovem?
- Porque ele é inconsequente. É o que acontece com pessoas assim, e mal afortunadas.
Hades acende uma vela com o dedo, coloca-a dentro de um castiçal no aparador do salão. Perséfone não se contém:
 - Você fala isso porque não é mortal. Tem plenos poderes, não precisa temer a morte. É difícil para os deuses entender o sofrimento dos homens.
Hades é tomado por um aceso de fúria:
- Por que me deixa furioso? Não percebe o que está dizendo? Por acaso pensa que é fácil ser um Deus? Você mesma sabe disso! Acha que é fácil ficar aprisionado pela eternidade exercendo uma única função que não escolheu? E ter que testemunhar pela eternidade toda a imbecilidade humana, a mediocridade deles, sempre os mesmos erros, apesar da evolução e de todo o controle sobre a natureza. O que é isso que nós temos? Uma vida? Será que vivemos? Temos ao menos a chance de escolher uma vida, para depois perde-la? Você realmente pensa que é  oitava maravilha ser o Deus do Submundo? Posso ter poderes, mas tenho que lidar diariamente com a morte e o sofrimento alheio. Acha que é fácil? Você é a prova de que tive até mesmo que sequestrar uma figura feminina para me casar com ela! Ninguém quer morar aqui embaixo!
- Tudo bem, tudo bem. Pode não ser fácil para você. Eu entendo. Talvez o Submundo não seja o Paraíso como o Olimpo, mas...
- Paraíso? Não existe Paraíso. Passar a eternidade bebendo néctar e comendo ambrosia não parece ter nada de estimulante. Viver numa temperatura sempre amena, num lugar onde se tem o que quer, com obras de arte, flores e jardins. Os Deuses do Olimpo vivem entediados. Eles não estão mais felizes do que nós!
Perséfone levanta, insatisfeita, e puxa o marido pelos ombros, implorando por alguma reposta.
- Então me diga, quem é o responsável? quem fez isso conosco? quem nos aprisionou para a eternidade nestas vidas?
- Não está claro para você? Foram eles, os humanos. Foram eles que nos criaram. Eles nos aprisionaram para dar sentido às suas vidas. E agora estamos aqui, fazendo tudo o que eles nos mandaram fazer. Eles dizem que controlamos suas vidas porque ficamos entediados e precisamos de alguma atividade. Talvez seja uma espécie de vingança.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Lendas soteropolitanas - Sonho provocado por episódio de South Park baseado em filme Madrugada dos Mortos trinta minutos antes de dormir

Descia as escadas de mármore, apressadamente, Leonor Machado. Era um pequeno prédio de construção antiga localizado no bairro da Graça, onde vivia com seu marido Filipo. Ela o esperava na garagem para tomar uma carona até o seu trabalho, que ficava na Praça da Sé. Aquela manhã de inverno setembrino estava um pouco fria, embora o sol brilhasse como um dia de primavera, pois os raios ultravioleta encontravam partículas tão pequenas na atmosfera para refratar a luz, que emitiam e dispersavam a cor azul turqueza, pelo pequeno comprimento de suas ondas, dando a impressão de uma fresca manhã primaveril. Leonor sabia que não era difícil chegar ao bairro onde trabalhava, e que poderia facilmente tomar um ônibus que a conduziria até lá em alguns minutos, deste modo não teria que esperar por Filipo todos os dias. Mas o percurso que ela faria era parte de um trecho do percurso de seu marido, de modo que a carona possibilitava economizar tanto dinheiro e tempo, como também vaga ou espaço no transporte público, em outras palavras: energia mundial ou quiçá universal (uma vez que os sistemas estão interligados). Era quase uma questão de preservação ambiental. Logo, por amor ao planeta Terra, ela teria que esperar, todas as manhãs, o paciente e vagaroso marido. 
Acontece que, no dia anterior, eles tinham discutido por uma bobalidade, e esta discussão tinha se tornado problemática para Felipo, que evitava a esposa para não ter que retomar o assunto. Ele informou que não a levaria para o trabalho naquele dia, e que ela poderia tomar alguma condução e chegar sozinha ao seu destino. Mesmo assim, Leonor o esperava, pois não admitia tal recusa. Ficou na porta da garagem, em pé, esperando.
Ao olhar impaciente para os lados, ajeitando seus cachos cor de mel, ela se surpreendeu ao notar um entra-e-sai numa papelaria defronte ao prédio. Lançando um olhar mais apurado, descobriu que o estabelecimento estava sendo assaltado, e quis sair daquele lugar o mais depressa possível. Atravessou a rua e tomou um ônibus. De repente pensou: "será que era feriado? por que o ônibus estava vazio? não, não teria erro. Era fácil demais chegar à Praça da Sé". Sentiu um pouco de frio, um arrepio na pele, e teve a ideia de tirar a jaqueta e o cachecol da bolsa para vestí-los.
Quando o ônibus parou na Avenida Sete, próximo à Praça da Piedade, ela sentiu a necessidade de sair para fazer a pé o resto do trajeto. O ponto ficava depois da Praça, ao lado de uma escola. No entanto, era costume os passageiros pedirem para que o motorista parasse um pouco antes, quando o sinal estava vermelho, próximo à Paróquia de São Pedro e à Faculdade de ciências econômicas. Ela achou que devia saltar e seguir em frente, mas parou para tomar um café no Café São Pedro. Ao tentar entrar no local, percebeu que o chão estava forrado de mendigos dormindoo. Sim, era cedo da manhã. Não devia ser mais do que sete horas. Mas já está claro o suficiente para esses mendigos acordarem, levantarem-se e batalharem pelo pão de cada dia, literalmente. Desistiu de entrar e desviou o caminho, procurando outro lugar para tomar o seu café. Ao atravessar a rua e chegar até a Praça, ficou surpresa ao notar que certos mendigos já estavam pegando no batente, mas não conseguia ver pessoas na rua, ou seja, os "clientes" ou "vítimas" dos profissionais da mendicância. Estava tudo ainda muito deserto, não fossem alguns transeuntes, que também pareciam ser todos moradores de rua. Atravessando o portão da Praça, viu algumas pessoas deitadas nos bancos, outras lavando roupa, algumas fazendo suas necessidades fisiológicas em cima de qualquer pedacinho de terra ou mato. Um senhor recolhia seus trapos e se agaslhava com eles, acendendo um cigarro, certamente para amenizar o frio causado pela brisa matinal. Pombos dançavam e gorgeavam em cima dos monumentos e até mesmo no chão, sempre alçando voo com a presença de passantes. Um odor de fezes de animal tomava aquele ambiente. Sem dúvida seria dos pombos, ou talvez dos cães que perambulavam por ali. Ao deixar a Praça para atravessar a rua Direita da piedade, avistou uma criança agachada, defecando em um pequeno buraco na calçada de pedra portuguesa que ficava defronte a praça. Buraco aberto, provavelmente, pela erosão e falta de manutenção daquelas calçadas. Apesar do horário, as ruas estavam vazias, mas a quantidade de mendigos que ela encontrava ia aumentando consideravelmente com o passar dos minutos. De onde estavam chegando todas aquelas crituras? E onde estavam as pessoas normais? Por um instante, parou. Andou um pouco até a Polícia Civil e olhou para a rua no sentido Politeama. Estavam vindo de lá. A rua, a praça, os edifícios, tudo estava sendo tomado pelos desabrigados. Não se via mais nada além deles. Ela sentiu um frio na espinha e quis fugir dali imediatamente: era a única pessoa naquele ambiente que tinha um abrigo para esquentar os ossos! E não entendia porque todos eles se destinavam àquele lugar e não se via uma pessoa com quem ela pudesse se comunicar. Era como se aquele ônibus a tivesse deixado numa terra estranha, povoada por seres alienígenas. Era notável como os desabrigados passavam por ela sem ao menos se darem conta da sua presença, como se ela não existisse. Por outro lado, pareciam interagir e se comunicar entre si, com uma linguagem própria. Notou o quanto era insignificante para aquela gente, uma vez que nenhum deles se dirigia a ela, nem para pedir algum trocado. O mais estranho é que, além de não conseguir enxergar ninguém que não fosse a população de mendigos, reparava que esta aumentava vertiginosamente em pouco tempo, vindos do Politeama, ou talvez dos Barris, ou de qualquer outro canto, de todos os lugares. Brotavam nas calçadas, na Praça e nos estabelecimentos, tomando as ruas como se fosse o Carnaval. Era isso que parecia, um carnaval de mendigos, não fosse pelo fato de que não havia música, nem som, nem dança ou qualquer outro ruído que pudesse manifestar uma passeata ou um ritual. Pareciam hordas de zumbis, alheios a tudo o que dizia respeito à sociedade e suas regras. Não caminhavam, não andavam, não corriam; eles perambulavam sem rumo. Não se preocupavam em interagir com aquilo que não pertencesse aos seus universos. Não davam a mínima para as placas, os sinais, os letreiros ou dizeres. Viviam como loucos no manicômio ou doentes num hospital, manifestando um comportamento depressivo e de completa alienação. Podiam dormir na calçada, nos bancos da praça, e fazer qualquer outra coisa no mesmo lugar. Não precisavam distinguir ou determinar um local para cada atividade, pois na verdade passavam o dia inteiro sem atividade, sem pespectivas, sem objetivos e tudo o que lhes restava era manter a (sobre)vida por meio da respiração e das funções fisiológicas, até o inevitavel dia da morte.
Um senhor cego, sentado nas escadarias do Convento da Piedade - Mater Pietatis, cantava uma canção desconhecida com uma voz velha, usada, entrecortada, porém com um fôlego admirável, talvez a única coisa que lhe restasse ainda como meio ou razão de se manter vivo. Ela tirou um trocado da bolsa e colocou ao lado dele, dentro de um chapéu preto. Na frente da Polícia Civil, uma menina fitava com tristeza e desalento a sua mãe que gemia doente, e de tanta dor e cansaço, deixou-se cai no chão, em cima de um trapo de lençol. Ela não podia fazer nada para ajudá-la, até porque a coitada sofria de problemas auditivos e não aprendera a se comunicar. Próximo a um salão de beleza, um artista arruinado tenta reviver seus momentos artísticos usando pedaços de papelão e tinta de parede velha como materiais para suas pinturas. Ela não entendeu muito bem o que ele estava tentando expressar naquelas obras. Talvez um encanto lhe surgisse: conseguia, afinal, ver qualquer vantagem na situação deles. Para os homens normais, era natural ter que dar conta de assuntos da vida alheia. Todos os dias, em casa, no trabalho, no bar, na padaria, ouve-se alguém formar uma opinião sobre tudo: sobre o jogo de futebol da noite anterior; sobre o crime misterioso que aconteceu a anos-luz de distância; sobre mais um caso de corrupção na política nacional; sobre como tal celebridade gasta seu dinheiro; sobre crianças que querem dormir em cama de casal; sobre pessoas que gostam de fumar; sobre o estilo de cada um se vestir; sobre orientação sexual; enfim, sobre a vida. Todo mundo tem uma visão de vida particular, mas querer expor cada opinião que se tem sobre coisas insignificantes que nos rodeiam, acaba por denunciar o quanto podemos ser intolerantes. A filosofia e a política devem ser usadas na medida certa. Talvez não ter opinião sobre como a colega do andar de cima se veste não mostre apenas um direcionamento de ideias para coisas mais significativas, como também o fato de que você é capaz de conviver com pessoas diferentes.
Aqueles desabrigados deviam conhecer, mais do que qualquer pessoa normal, o sofrimento, a dor, a pobreza, a tristeza, o desprezo, o desalento, a impotência, o desconforto, a insabubridade, a miséria (des)humana. Não estavam dentro nem fora da sociedade; estavam na sua margem, prestes a serem alijados para o abismo. O que saberia dizer um político, um professor, um historiador ou mesmo um filósofo sobre aquilo sem ter experimentado viver a situação? talvez, não a existência, mas a convivência com os desabrigados causasse muito incômodo a estas pessoas. Se fossem forçados a viver neste meio, é certo que estariam desconfortáveis. Porque a pobreza e a miséria alheia causam repulsa. "Se eles existem, que seja bem longe de mim". Por outro lado, se todos os desbrigados fossem milionários e gastassem seus dinheiros de forma extravagante, também isso causaria incômodo, pois "não é justo. tanta gente passando fome e...". Mas e se pertencessem todos à mesma classe social? à classe média? também isso causaria incômodo? é provável que sim, pois o ser humano comum vive incomodado com os outros, n'importe qui. Só os mendigos parecem não se incomodar com nada, nem com ninguém. 
De repente, veio uma angústia. Queria sair dali, voltar para casa. Onde estaria Filipo? teria ela o perdido para sempre? teria ele sido devorado pelos mendigos, ou talvez ´sido vítima daquele inesperado assalto matinal na loja ao lado?
Exatamente às oito horas, tocam os sinos da igreja.
Bléim
Bléim
Bléim
Cada batida do bronze soa como um presságio. As portas dos estabelecimentos se abrem. Leonor entra num banco para fugir dos mendigos e tenta telefonar para seu marido, mas ninguém atende.
Bléim
Bléim
Bléim
Ela sai do banco, correndo e desesperada. Entre os mendigos, entre os espíritos que andavam em horda pela rua, entre os mortos e os semi-mortos, ela encontra a vida. Filipo aparece, vem ao seu encontro. Nunca antes sentira um alívio tão grande.

sábado, 21 de setembro de 2013

O JULGAMENTO DE ESCORPIÃO

Alguém devia ter denunciado o gerente do banco Satanesco, o senhor Escorpião Ferraço Letal, pois em certa manhã, ele acorda e percebe que tem a inesperada visita de um funcionário do Estado em seu quarto . A senhora Ariana, que se tornara sua lacaia por causa de uma dívida, não subiu, como de costume, para lhe servir o desjejum. Em seu lugar, notava a presença daquele desconhecido que se recostava confortavelmente em sua poltrona. "Quem é você e o que está fazendo na minha privacidade?". Imediatamente ocorre-lhe um pensamento:  "deveria ter instalado aquele caro e sofisticado sistema de segurança. Como fui imprudente em não fazê-lo!"
Acordava de um pesadelo profundo, quase real, no qual passavam recortadas as imagens de um crime. O cabelo liso, escuro, naturalmente arrepiado, estava ainda mais desarrumado com o desleixo. As sobrancelhas grossas, espetadas, que acompanhavam os movimentos dos olhos profundos, pareciam pesar por causa da noite mal dormida. Já fazia algum tempo que ele não saía de casa, pois precisava estar só para se recompor. "O mundo e suas ervas daninhas. Ah, como eu acabaria com todas elas"! Estava doente, com febre, e tinha conhecimento do motivo. Um machado, botas ensanguentadas, crânio partido. 
Em poucos minutos, ele descobre que o homem a visitá-lo é um oficial de justiça, encarregado de informar-lhe que ele teria de responder a um processo. Surpreso pela forma como foi abordado, ele fica sem reação. Sim, tinha cometido alguns atos ilegais, mas, qual deles seria a razão deste inesperado processo? Do que se tratava? Fazia perguntas, mas o homem de terno preto dizia que não cabia a ele responder a tais indagações. Que ele deveria se apresentar ao Tribunal sem demora. Por que aquele homem fazia tanto mistério? Repetiu para si mesmo a sua frase preferida: "tem caroço nesse angu". Seria por causa da sonegação do imposto de renda? será que eles descobririam tudo e o prenderiam? Não, certamente teria que prestar depoimento por causa do assassinato da sua última amante. Mas era o crime perfeito! não tinham como provar a sua culpa. Fizera tudo de maneira a não deixar rastros. Droga, ela não tinha nada que ter usado aquele decote na festa de aniversário do seu ex, tirado foto abraçada com ele e ter postado no facebook. Aquilo era uma afronta sem tamanho, era um desrespeito sem perdão. "Tive que matar"! E agora, essa justiça injusta passa a perseguí-lo. O Estado, sempre opressor e burocrático. Sempre violando a privacidade dos cidadãos. Sim, ele tinha roubado, matado e estuprado. Mas o Estado, - que fizera tudo isso e muito mais - quem era o Estado para lhe dizer o que é certo e o que não é? tinha seus próprios princípios. 

 Era uma sexta-feira do dia 13 de agosto. Um dia muito tenebroso para Escorpião. Como se não bastasse esse clima contra-antíscio no céu, de Sol em Leão, estava ciente de que deveria responder a um processo do qual não tinha conhecimento.
Ele queria chegar ao tribunal o mais rápido possível para esclarecer essa história, então se aprontou e saiu sem tomar café. Quando passou por uma loja de eletrônicos, parou na vitrine para assistir à televisão, e por um momento ficou indignado. Soube, através do noticiário, o motivo de estar sendo processado. 

Na Astrologia Clássica, o planeta Marte tem dois domicílios: Áries e Escorpião, sendo o primeiro diurno, ou de natureza masculina, e o segundo noturno, ou de natureza feminina. Além destes domicilios, existe ainda a sua exaltação, que é uma espécie de lugar onde ele passa as férias, localizada na casa de Capricórnio, no topo da mandala. Recentemente, por volta  da idade moderna, foi descoberto mais um planeta no sistema solar, chamado Plutão. Recebeu este nome por ser considerado o mais distante e sombrio, lembrando o Deus grego do inferno, Hades, que foi adaptado pela mitologia romana como Plutão. Ao procurarem um domicílio para o distante planeta, os astrólogos modernos não conseguiram colocá-lo em outro local senão a casa de Escorpião, o mais obscuro e tenebroso dos signos, e que com certeza acolheria seu regente com muita hospitalidade, pois este planeta possui inúmeras riquezas, embora ocultas e submersas, e o poder que ele pode conceder não se adquire de maneira natural, mas em troca da alma. Por muitos séculos, acreditou-se entre os astrólogos que Marte era a verdadeira representação do Demônio. Chegaram a pensar que ele era o próprio Demônio, causador da desgraça alheia. O planeta vermelho sempre foi associado à guerra e à violência, o que significa corte, mutilação e morte. Mas com o surgimento de Plutão no universo astrológico, os significados mais obscuros da vida, assim como a sua perda, ganharam mais um regente. Plutão seria assim uma especie de lado obscuro de marte, além de ter outros significados, como riqueza e poder (plutos em grego significa riqueza) . Durante décadas o signo de escorpião foi detentor de toda esse tesouro sujo e poder corrompido. Além de possuir também em seus aposentos, o domínio de Marte noturno. Agora, chegou a hora da ameaça de perdê-lo. Chegou a hora do signo de Áries, o mais bélico, destemido, violento e egoísta de todos os signos, reclamar pelos seus direitos na...justiça.
É claro que ele queria resolver tudo isso na porrada, pois acha que tudo na vida se resolve dessa forma. Deveria declarar guerra ao seu companheiro de planeta e que vença o melhor, ou seja: ele. Não teria erro. Porém, ficou sabendo que o seu inimigo tinha amigos no Inferno que poderiam retornar para vingança, então foi aconselhado por seu amigo e advogado Sagitário a abrir este processo, no qual ele apresentaria argumentos para comprovar que Marte deveria ter domicílio apenas no signo cuja natureza está de total acordo com suas funções. Ele não gostou muito da ideia, porém, talvez porque marte passava uns tempos na casa de libra, como tinha que cumprir , então era de se esperar muitos litígios na justiça, assim como acusações e processos desnecessários. Quando Marte passava por esse período, de estágio na casa de Libra, Áries ficava muito mais impaciente e agressivo do que o normal, porém, fugia-lhe o ímpeto para uma ação bem direcionada.
Ele resolveu entrar com uma ação na justiça para reivindicar o domicilio total de Marte, assim como Leão e Câncer detinham todo o poder sobre os luminares Sol e Lua, respectivamente. Sua meta era muito ambiciosa, pois a proposta causaria uma mudança radical no sistema astrológico de regências planetárias. Pediu para que seu advogado Sagitário usasse todos os argumentos possíveis a seu favor, mas queria que ele fosse sincero, pois sempre repudiou a desonestidade e a manipulação. Ele realmente acreditava em seus direitos sobre o planeta vermelho. Acrescentou ainda que queria audiência única, e que se não obtivesse êxito, partiria imediatamente para a guerra. Com ele era tudo ou nada. Escorpião, por sua vez, não contratou advogado para defender sua parte. Disse que ele mesmo iria se defender entre si, pois tinha se formado em direito, passado na OAB e, segundo as suas palavras, "conheço muito bem essa raça e não confio nela", foi o que disse sobre os profissionais da advocacia.  

No tribunal, todos os signos estavam presentes para conferir de perto o resultado deste polêmico processo, que seria julgado pela juíza Libra, uma nobre senhora de reputação inquestionável. Touro aproveitou o evento para cobrar o dinheiro que Sagitário estava lhe devendo e divulgar o novo espaço do seu Bar Gourmet, o Café Latino, todas as quintas, a partir das 20 horas, com apresentações de salsa e zouk. Gêmeos estava presente para cobrir uma matéria sobre o caso; Câncer estava muito aflito e preocupado com seu amigo Escorpião; Leão também apareceu, para exibir seu novo penteado estilo Rick Martin e divulgar seu show de salsa que teria estréia naquela noite, pensou consigo mesmo: "Ainda bem que o barraco não é comigo. O Sol é meu e ninguém tasca." O policial federal Virgem acompanhava tudo com muita atenção e análise. Capricórnio iria depor a favor do seu amigo Escorpião, enquanto Aquário ajudaria seu amigo Áries. Por fim, estava presente também Peixes, que fora parar ali por acidente. Ele estava procurando o Forum Nacional de Alcolicos Anônimos, um evento que aconteceria naquele dia, naquelas redondezas. Entrou por engano no Forum de Justiça. Ao chegar no Tribunal, percebeu que todos os seus amigos estavam presentes, e ficou contente: "Nossa, que legal. Não sabia que o pessoal fazia parte do A.A.. Esses alcólicos anônimos são tão anônimos que se disfarçam até para frequentar o grupo".
Iniciada a audiência do julgamento, Libra apresentou-se e, ajeitando o cabelo trabalhado na tintura e na chapinha, proferiu algumas palavras:
- Como juíza desta Vara Astrológica, dou início ao julgamento do processo no qual o senhor Áries Carneiro afirma ser o único signo por direito a possuir a guarda do domicilio de Marte, tendo para isso que provar, por meio de defesa, que o Planeta Vermelho tem funções que vão de encontro com a natureza escorpiana. O senhor Escorpião Ferraço Letal, por sua vez, detentor de domicilio noturno de Marte, terá que apresentar defesa para que toda a acusação seja desconsiderada e que mantenha a guarda noturna do domicílio de Marte.
 Logo depois, passou a palavra para a defesa de Áries, ou seja, para que seu advogado Sagitário argumentasse a seu favor. Sendo assim, Sagitário iniciou a defesa:
- Em primeiro lugar, queria fazer um breve discurso sobre a importância do Direito na vida das pessoas e no exercício da cidadania... bla bla bla bla bla bla....
(duas horas depois...)
- E por fim, gostaria de agradecer ao meus pais e ao meu amigo Áries por terem me apoiado na escolha da minha carreira, assim como pelas oportunidades de exercer tão adorada profissão. E lembrem-se: A Deo rex, a rege lex.
- Senhor Sagitário, por favor, queira iniciar a defesa- ordena a juiza Libra.
- Com muito prazer. (pigarro )- Passou a mão na testa. Era alto, loiro, com mechas de cabelo penduradas na testa. Usava um bigodinho de Nietszche para dar um ar filosofal. Teria um físico bonito e atraente se não fosse a barriga de cevada. As nádegas eram proeminentes e se destacavam do corpo, juntamente com as coxas e a barriga. Fumava incessantemente sem o menor pudor ou noção de respeito, e, vez em quando baforava fumaça no rosto de algum infeliz - Senhoras e senhores, temos aqui (com os dois braços apontados para Áries) um grande Signo de valor, bravura, honra e determinação. Aquele que inicia o ciclo zodiacal, pertencente ao elemento fogo, ritmo cardinal e natureza masculina ou diurna. Aquele que tem como caráter a qualidade primitiva, legítima, íntegra, aquele que sempre se mostrou indubitavelmente como é. Este, que possui o ímpeto e a energia vermelha impulsiva, forte e bem destinada do Planeta Marte, vem, por meio deste que vos fala, vindicar para si e somente si o domicílio integral da rubra estrela errante, alegando, para o que pugna, que seu domicílio noturno não se mostra digno de tal regência, ao proceder em sociedade de maneira pouco clara, frequentemente velada, de modo a apresentar uma honestidade duvidosa, além das comprovadas alianças e parcerias com entidades tratantes das Profundezas do Inferno. Por outro lado, foi cientificamente comprovado, com pesquisa física laboratorial e de campo, que as funções do planeta supra-citado, pelos motivos já esclarecidos e outros, ainda por esclarecer, o que faremos logo em seguida por meio de testemunha, que estas funções e ações por ele determinadas estão de fiel acordo com a natureza do signo pioneiro. E agora, com a permissão, para darmos continuidade e substância científica aos argumentos, peço que se pronuncie a testemunha, o eminente cientista e sociólogo Aquário Urânus.
- Obrigado, Sagi. - Inicia Aquário - Bom, de acordo com minha pesquisa mais recente sobre superfície, atmosfera e interior dos planetas e luminares, foi constatada a presença de óxido de ferro na camada externa da atmosfera de Marte, dando aquela aparência avermelhada que podemos notar até mesmo de longe. O ferro, como os senhores sabem, é um elemento associado ao signo de Áries, e é a principal substância que compõe as hemácias do sangue, fluido presente nas veias animais, assim como nos revestimentos dos órgãos e entranhas das criaturas vivas, e é também de se notar que o elemento ferro é muito utilizado na fundição e fabricação utensílio cortantes, como facas e espadas, objetos também ligados ao primeiro signo. Nota-se também a abundante presença de vulcões em suas, evidentemente que os vulcões têm relação com o elemento Fogo. No que diz respeito à cor vermelha do espectro eletromagnético, também pode-se provar que ela é característica do signo de Áries, pois é a primeira a se formar no arco-íris, comprovando a sua liderança e qualidade primitiva no meio óptico. A luz vermelha é longa e transmitida, o que significa que ela tem um direcionamento certeiro, um objetivo único e sem rodeios. Ao contrário de outras cores, que apresentam ondas curtas e se dispersam, como o azul petróleo, comumente associada ao oitavo signo do zodíaco, qual seja, Escorpião.
Com a mão no queixo, como se tivesse alisando uma barba imaginária, e o olhar de dúvida, Escorpião aperta os lábios, coloca os dedos na testa e faz um movimento negativo com a cabeça.
- Eu, sinceramnete, não sei por onde começar. Não sei se existe mesmo alguma lógica em tentar me defender destes absurdos que foram colocados pelo advogado Sagitário e por este cientista maluco que atende por Aquário. Apresentar as características físicas do Planeta Marte e dizer que ele possui vulcões e óxido de ferro não prova absolutamente nada, uma vez que, como deve ser do conhecimento do cientista, foi comprovada também a presença de uma vasta e expessa camada de gelo por todo o planeta. Gelo este que, com o calor, se evapora sem passar pelo estado líquido. Sublimado. O que os senhores têm a dizer sobre todo aquele gelo existente em marte? porque o gelo representa a água fixa, ou seja, Eu. O gelo é escorpiano. E quanto à cor vermelha, isso me diz menos ainda. Aliás, alaranjado seria o tom mais adequado para descrever o que enxergamos no planeta marte. Então, me digam por que motivo a bandeira de marte, defendida e aprovada pela sociedade Planetária e pela Sociedade Marciana, se apresenta nas cores vermelha, azul e este verde que está mais para o ciano, a cor do mar? percebam, meus caros, que vocês não podem provar o improvável. Enrolar é o que fazem. 


Sagitário, muito seguro de si, não se deixa embaraçar. 
- Senhor Escorpião Ferraço, o planeta Marte tem a natureza masculina, como o senhor sabe, quente e seca. Agora me diga, o senhor Escorpiinho, que é um senhor feminino, úmido, e frio como o gelo, conforme disse agora a pouco. Diga-me se o senhor acha adequado um planeta desta compostura, viril, bélico e agressivo, se tem cabimento um planeta deste ficar domiciliado num signo tão frio, úmido, escuro e mentiroso como o senhor. Diga-me com sinceridade, embora esta não seja o seu forte.
- Perfeitamente. Muito espirituoso o senhor Sagitário, ao se referir à minha pessoa como Escorpiinho. É sabido, há muitos milênios, desde a criação do Mundo, que o Marte, planeta maléfico, de natureza quente e seca, tem seus maleficios atenuados em locais de natureza oposta, ou seja, fria e úmida. Não é à toa que tem triplicidade nos signos de elemento água, e que se exalta num signo noturno. Portanto, os argumentos apresentados pelo senhor Sagitário na defesa do seu cliente são inválidos!
- É um erro crasso, senhor Escorpião Ferraço, utilizar-se de doutrinas clássicas, para não dizer ultrapassadas, com a finalidade de definir onde e como o planeta se sente mais confortável. Hoje em dia, existem inúmeras vertentes astrológicas, cada qual com seu método, e não podemos usar apenas os conceitos medievais para argumentar. Pois então, devemos fazer uso da Astroloprudência, ou seja, adaptar as regras e os sentidos ou significados astrológicos às sutilezas e peculiaridades da vida e dos tempos.
- Senhor Sagitário, essas novas vertentes astrológicas não são íntegras, estão geralmente associadas com outras áreas do conhecimento, como pscicologia, esoterismo, entre outros. Astrologia clássica é a base de tudo, é a astrologia dos eventos, da interferência celeste na Terra, e é nela que devemos apoiar nossos argumentos.
- O senhor, senhor Escorpião Ferraço Letal - apontando o dedo na cara - tem a cara-de-pau de nos falar de costumes e tradição, sendo que é o maior beneficiado com a astrologia moderna, uma vez que pôde abrigar em seu domicilio um asteroide do porte de Plutão.
- Mais do que justo, Senhor Centauro. Oras, de acordo com a tradição, eu não tenho nenhum planeta para exaltar, enquanto que o Senhor Áries possui exaltação em nada menos do que a estrela maior, o Sol. Nada mais justo do que abrigar o planeta sombrio, já que ele está relacionado com a minha natureza, e de grande porte ele não tem nada.
Neste momento, Capricórnio, que assistia a tudo passiva e silenciosamente, resolve fazer uma interferência:
- Com licença, Meritíssima, pode me dar a palavra?
- Palavra concedida.
Ele tinha média estatura, era magro, ereto, testa franzida e uma discreta barba no rosto. Seus modos eram cuidadosamente elaboados, de maneira que não podia fazer um único gesto ou dizer uma única palavra sem pensar no que poderia repercutir aquela determinada ação. Observava atentamente a postura e os argumentos usados por Sagitário, e assim podia elocubrar sobre o que diria para alcançar o objetivo traçado.
- O Escorpião tem toda razão. Quando o planeta Plutão foi descoberto, ninguém, eu disse ninguém se dispôs, ou mesmo achou agradável a ideia de dar abrigo ao planeta, por pensarem que se tratava de um grande e nefasto maléfico. E de fato, é um maléfico, obviamente. Escorpião foi o unico que teve a coragem de assumir esse fardo, e é claro, obteve algumas regalias como senhor do submundo, mas ainda hoje é criticado por todos, é conhecido injustamente como o vilão do zodiaco, como se apenas ele fosse capaz de fazer coisas ruins.
- Protesto! - grita Sagitário, com ardor e veemência - este senhor, Capricórnio Saturnino Cabrito, não é fidedigno para testemunhar tal defesa, pois é do conhecimento de todos que ele se vendeu para este senhor Escorpião, ou melhor, a palavra ideal é se prostituiu pra obter êxito em seus negócios. Ele, além de ter passado por cima de qualquer um para ter sucesso na vida, ainda lambeu o saco de muita gente para hoje estar aí, posando de vítima batalhadora e dando lição de moral barata. Sim, senhor Capricórnio, o senhor está muito correto quando insinua que Escorpião não é o único a fazer coisas ruins. Também o senhor o faz!  Agora vejam, como os dois formam uma bela dupla de meliantes. Enquanto um detém o poder do Mal, fazendo pacto com o Satanás, manipulando e assassinando as pessoas para continuar no controle do submundo, o outro compactua com tudo isso, acha que é natural ser o mestre das Profundezas e sair impune, com o controle da vida das pessoas, porque está interessado em conseguir cada vez mais uma posição de destaque, e  quando consegue, é o primeiro a humilhar e condenar os colegas que não conseguiram o mesmo que ele (às custas da prostituição, é claro). Agora não me venha com vitimismo dizendo que foi um fardo para o coitado do Ferrinho e nem que você não usou de métodos perversos para obter riquezas e poder....porque todos sabem! Ele nada mais é do que seu cúmplice, e portanto não tem moral para depor a seu favor.
- Senhor Sagitário! - adverte Libra - O senhor, como advogado, é um excelente pastor de Igreja Evangélica! Aqui não é lugar para exorcizar o Demônio, e sim para argumentar a favor do seu cliente!
- Protesto, Meretríssima! - insiste o centauro.
- Como?!! O senhor me chamou de Meretríssima? Por acaso faltou às aulas de gramática ou está tentando me ofender?
- Nem uma coisa, nem outra, Meretrissima. É que todos lá na faculdade de direito sabiam que você fazia programa para pagar os estudos. Portanto, meretriz. Uma vez meretriz, sempre meretriz. Mas agora você é uma meretriz com título de juíza. Logo, Meretríssima.
Aries se contorceu de tanto rir. Todos os presentes ficaram chocados com a revelação descarada de Sagitário. Ouvia-se burburinho pelo tribunal. Ofendida e desconcertada, Libra ameaça o rapaz:
- Você sabe que pode ser preso por desacato a autoridade, não é?
- Desculpem, senhoras e senhores, se eu ofendo, mas é que estou sempre preocupado em falar a verdade, e como é do conhecimento de todos, a verdade sempre dói, fere e ofende. Esta ilustre Meretríssima estava defendendo de forma parcial a sua classe de pessoas que se prostituem para conseguirem o que querem, mas eu digo abertamente que repudio este tipo de atitude.
Gêmeos, que assistia e gravava tudo, não se conteve e interveio na discussão:
- Deixa de ser hipócrita, Sagitário. todo mundo sabe que você traía sua esposa com o bordel inteiro...passava o rodo geral e não tinha o menor pudor em contar isso para os amigos, enquanto para as mulheres, mentia descaradamente. Devia ter vergonha de falar mal das putas e todas as noites se deitar com elas.
- Senhor Gêmeos, o senhor não tem autorização para falar. Será que nem no tribunal, na presença da Meretríssima juiza, o senhor consegue fechar essa matraca? O que interessa para nós a minha vida pessoal? eu nunca menti para subir na minha carreira. Nunca precisei me corromper nem puxar o saco de ninguém para ser este excelente advogado que sou. 
Em algum lugar do tribunal, ouviu-se uma voz dizendo "mas pede dinheiro emprestado e não paga!". Gêmeos, muito sério, continuou:
- Não mentiu porque não sabe mentir, só sabe falar esse monte de baboseira e papo furado. Fala uma coisa e depois faz outra, e tem a cara de pau de dizer que não falou. Você não passa de um irresponsável.
- O senhor não tem mérito para falar de honestidade, senhor Gêmeos, dada a sua fama de 171 na Delegacia. Conheço muito bem a sua ficha policial e é obvio que o senhor sabe, fui eu quem te livrou de várias canas. E agora me apunhala pelas costas desse jeito?
- Epa, pera lá. Não confunda alhos com bugalhos. Você está evidentemente falando do meu irmão, o Gêmeo Mau, que é muito parecido comigo. Eu sou o Gêmeo Bom, jornalista e escritor, uma pessoa honesta que trabalha para informar a população dos fatos que acontecem. Não costumo distorcê-los como você faz.
- Conversa. Sei muito bem que você e esse seu irmão são a mesma pessoa. Você usa as informações que coleta para dar seus golpes estelionatários. Pessoas como o  senhor, senhor Gêmeos, não me enganam. E eu falo mesmo, porque estou sempre preocupado com a verdade.
Aries, neste momento, não se contém. Cansado de tanto falatório e nenhum resultado até o momento, explode com o amigo:
- A verdade, Sagitario, é que você não está me ajudando em nada. Lamento ter que interromper este julgamento e o trabalho da excelentíssima meretríssima senhora Libra, mas vou ter que partir para o ataque! Para aqueles que desejam lavar roupa suja, deixo a minha dica para procurarem a lavanderia mais próxima. vou fazer o que eu deveria ter feito desde o inicio. - puxa a arma do bolso e atira pra cima:
- Pá!
Todos se afastam, ouve-se gritos, alguns tentam segurar o Carneiro, mas não obtêm êxito. Ele continua determinado a declarar guerra e dispara outro tiro no ar:
- Pá!
Libra pensa: "adoro ver o barraco pegando fogo. Adoro ver como sou neutra nestes casos, fazendo o papel de conciliadora destes animais selvagens. E como sou vista com honra e dignidade. É, valeu a pena ter estudado direito. Valeu a pena ter dado o rabo para aqueles velhos nojentos e milionários, para que eles pagassem meus estudos." Ao pensar nisso, ela bate elegantemente o martelo na mesa:
- Silêncio no tribunal!
- Protesto, meritissima!- grita Aquário.
- Como assim? protesta contra o silêncio no tribunal?
- Sim, protesto contra a censura, a opressão. Que acabe o silencio no tribunal! todos têm o direito de falar e dar sua opinião. Vamos lá, pessoal, marchando para o tablado! vamos carregar a juiza em praça publica e cortar sua cabeça como protesto contra a opressão da elite jurídica de nossa sociedade. Que gritem, que dancem e que cantem no tribunal!
- Guardas, guardas, levem este louco daqui!!
Os guardas agarram Aquário e o levam para fora.
Leão, cansado e aborrecido pelo fato de ninguém naquele local lhe dar o mínimo de atenção, resolve ir embora. Não sem antes se levantar e dizer:
- Por favor, eu gostaria de um minuto da atenção dos presentes.
Todos olham para ele. Não porque estavam interessados no que iria dizer, mas porque seu cabelo estava tão ridículo, que era impossível não ser notado e tornar-se alvo de comentários. Ele continuou:
- Eu gostaria de dizer a todos aqui presentes., amigos, companheiros e fãs, que eu estou deixando este local. Não quero me envolver com essa baixaria, acho que vocês estão muito exaltados, e talvez devam ir embora também, mas enfim, o que eu queria dizer é que estou indo ensaiar meu show de hoje `a noite, para o qual convido todos vocês a terem a honra de assistir a minha estréia. O evento acontecerá às 20 horas no Bar Gourmet do Touro, no espaço Café Latino. Por favor, não deixem de ir, a entrada é franca e a música de qualidade....
- Espera um momento! - interfere Touro - Tínhamos combinado que você ia me pagar 400 pilas para poder rebolar no meu Bar, e isso só poderá ser feito se for cobrado pelo menos 20 pilas por ingresso!
- Tudo bem, Touro! - concorda Leão, irritado - olha,pessoal, o ingresso é 20 pilas, mas tem desconto de 90 por cento para quem chegar até as 19 horas! - dizendo isso, passou a mão no cabelo e partiu - Conto com vocês!! Obrigaduuuu!!!!!
- Mas que abusado! - reclama Touro - Este é o horário em que eu fecho o bar, pois é a hora da minha refeição sagrada. Como é que eu vou poder tomar minha sopa em paz se chegar um bando de gente?  
- Vocês não passam de um bando de covardes!
Aries novamente puxa o revólver do bolso e convida Escorpião para um duelo. Tira outra arma, do outro bolso, e joga para ele, para que vença o gatilho mais rápido. Os dois colocam as pistolas dentro do bolso. Todos se afastam, um espaço se abre entre eles, trilha sonora de Ennio Moricone, olhares vigilantes, marte contra marte, é tudo o  nada.
Pam-pam pam-ram-ram pam-pam
Ru! Rá!
Pam-pam pam-ram-ram pam-pam
Ru! Rá!
Pam-pam pam-ram-ram pam-pam
Pam-ram-ram
Pam-ram-ram
Escorpião tira o revólver do bolso e, antes mesmo que Áries puxe o gatilho, Escorpião atira em si mesmo. Um tiro de Áries no coração e outro dele próprio no crânio.
- Filho da puta. Matou-se antes. Como é vil esta raça!! - e, aproximando-se do corpo prostrado no chão, ele atira mais duas vezes em seu coração, faz cara de bandido de faroeste e ri compulsivamente:
- Morre, desgraçado, morre!!! Huahuahauahuaa!!!
Cospe no cadáver, tira um cigarro do bolso e o acende com o isqueiro, vira-se e faz um movimento para ir embora. Após dez passos, ele pára com as pernas afastadas uma da outra e fecha os punhos. Áries sente o cheiro do veneno e olha para trás: o corpo se levantava. Ainda estava vivo! E o pior de tudo: sorria maliciosamente para o seu assassino.
- Ainda não morreu! - grita Sagitário - É o Demônio!!! Queima na fogueira!!!! Queima com enxofre!!!! É o Satanás!!!!
Mais dois tiros e ele cai novamente no chão, desta vez com o corpo completamente estendido e braços abertos. Áries se aproxima para certificar-se de que ele esteja morto, mas o aracnídeo acorda novamente, com um sorriso no rosto. O sorriso se transforma numa gargalhada sombria, ele se apóia no chão com os braços e tenta se levantar. Aries dá mais três tiros, mas a gargalhada só aumenta:
- MUAHUAHHAHAHAHA
- Cara, você deve ter despertado as criaturas do Inferno. - sugere Gêmeos.
- Zoombie attack!!! - grita Câncer.
Quando Áries aponta novamente o revolver para atirar, Peixes se joga na frente do amigo:
- Nããão!!! Escorpião, você está bem?
- Sai da frente, seu alcólatra maluco. Quer morrer também?
- Escorpião, responda!!!
- Não, você não quer morrer. Quer mesmo é dar trabalho e encher a paciência dos outros. Sai da frente!!!
- Você não percebe? - pergunta desesperado.
- Não. Perceber o quê, pé-de-cana?
- Não pode matá-lo! Não pode acabar com Escorpião.
Todos começam a se reunir em volta dos três. Peixes, segurando o amigo ferido nos braços e derramando algumas gotas de lágrima, olha para todos com sentimento de revolta, como Jesus Cristo ao ver o templo de Deus sendo utilizado para o comércio.
- Sei que é um signo maléfico, que representa coisas que todos nós desejamos não nos envolver, como a morte, a perda, o ciúme, a vingança, a obsessão, o desequilíbrio, a manipulação, além de outras características que são mal vistas pela sociedade, e algumas até consideradas tabu. Sei que é difícil ter que encarar isso, mas essas coisas fazem parte da vida. Escorpião faz parte da vida de todos nós. Olhem para vocês, veja no que isso se transformou. Cada um destilando seu veneno, expondo os podres dos colegas, trocando ofensas numa audiência de julgamento. O que é a justiça para vocês? Olhem para si, olhem para a juíza. Sempre que vejo na TV o noticiário, as pessoas, parentes de alguém que morreu de forma cruel, ou "injusta", colocam a boca na imprensa para falar de justiça: "queremos justiça!", mas o que é a justiça? vingança? a punição dos culpados pelo crime? ou talvez o ressarcimento pecuniário pela perda do ente querido. Então é sempre isso, vingança ou dinheiro. A justiça sempre representa estes dois... e ainda se sentem no direito de julgar um Signo pela sua natureza humana. Todos falam em justiça como vingança ou dinheiro, mas ninguém fala do perdão. O único juiz que é capaz de condenar nossas ações é Deus - aponta para o Céu. - Temos que aceitar e cumprir o destino que nos é dado, seja ele bom ou ruim, e aprender a compreender e perdoar o próximo, que não faz nada além da vontade Divina. Escorpião faz parte da vida, e portanto, da vontade de Deus. Carrega nas costas o estigma de algoz e o sofrimento de ter que fazer mal às pessoas. Ele, que foi enviado para tomar conta do submundo, sabe que precisa estar sempre no controle de tudo, e por isso precisa ter o domínio até mesmo do seu próprio fim. Áries, você foi intolerante e egoísta, exigindo algo que não pertence a você, demonstrando ter uma característica escorpiana que você mesmo repudia: a violação dos direitos alheios. Mesmo que tenha feito isso abertamente, e por meio de guerra declarada, tem que aceitar que o Marte precisa de um domicílio noturno. Assim Deus determinou, e não é o homem, a tecnologia, nem a religião que vai mudar isso. E por favor, não se refira mais a mim como "cachaceiro", "pinguço" ou "pé-de-cana". Sei que andei tomando umas e outras, mas o que importa é que estou frequentando os Alcólicos Anônimos e pretendo parar com a bebida.
Após um momento de silêncio, Câncer aplaudiu:
- Muito bem, Peixes. Falou muito mas falou bonito.
Libra se aproximou:
- Então você não acredita na justiça dos homens? e acha que Deus vai dar jeito em tudo? pra que justiça, não é mesmo? vamos ficar parados e esperar que um raio caia na cabeça dos criminosos. Vamos esperar que as pessoas declarem guerra umas às outras para chegarem a um acordo.
- Libra, não tente passar vaselina nas palavras. Você, tanto quanto eu, sabe que a justiça dos homens não foi feita para todos os homens. Foi feita para controlar as massas, para garantir o direito à propriedade privada e à exploração do homem pelo seu semelhante.Se a justiça dos homens não funciona da forma que deveria funcionar, então nenhuma autoridade, nenhuma lei, nenhum sistema inventado pelo homem pode ser justo.
- Um momento, Peixes. Existe alguma coisa no seu pensamento que não fica muito claro. Deve ser pela debilidde do mercúrio. Mas vamos lá: como pode dizer que deus é justo se existem pessoas com vidas completamente miseráveis, porém honestas, em contraste com outras que, fazem uso da desonestidade para levarem uma vida confortável, luxuosa, acima de toda avareza? então este é o deus encarregado de julgar os homens? Não, não responda. Afinal de contas, o Estado é laico. O homem deve ser julgado pelo homem, e ser submetido às leis terrenas. Só assim podemos encontrar um pouco de justiça e equilíbrio nesta selva civilizada.
- Olhe para si mesma, Libra, e encontrará a resposta.
- Muito bem, muito bem. Quer dar uma de Mestre dos Magos e argumentar que é bom, nada. Olha, você...você é muito caótico, deveria se juntar a Aquário no manicômio. O mundo precisa de um pouco de ordem para manter o equilíbrio. De qualquer forma, declaro terminada a audiência. Nada foi alterado e tudo fica como estava antes. Rebus sic stantibus.
- Na verdade, interfere o policial Virgem- Concordo que o mundo precisa de um pouco de ordem, concordo com a Meritíssima, aliás... ordem, critério, bom senso e um pouco de trabalho. Talvez nem a juíza nem ninguém tenha percebido que Escorpião provou não somente ter direito ao domicílio de Marte, como ter também o gatilho mais rápido que o de Áries, pois ele atirou em si antes de ser assassinado.
- Muito bem notado, senhor Virgem - observa Capricórnio. Isso prova que Marte é mais escorpiano do que ariano. Mas talvez não venha ao caso, já que não muda nada.
- Elementar, meu caro Capricórnio. É aí que você se engana. Marte é ataque. Escorpião se defendeu para atacar, assim como ele poderia atacar para se defender. Ele troca uma coisa por outra e mistura as duas para confundir o inimigo. Talvez seja uma evolução de Marte, uma adaptação feminina para agir durante a noite, quando não se pode ver o inimigo. Mas o Marte, em sua pureza, é o ataque por ataque, sem contornos, não acha?
- Mas isso é estratégia, policial. Estratégia faz parte de Marte, das batalhas, da selva e do mundo empresarial. Não se pode agir sem estratégia. Tem que saber direcionar antecipadamente a ação para evitar perdas e gastos desnecessários.
Neste momento, Escorpião, que estava caído, porém acordado, levanta-se vagarosamente e se reconstitui. Tal qual uma Fênix, ele renasce das cinzas.Todos ficam atentos esperando alguma reação. O ferroso então olha para o amigo Peixes e diz:
- Peixes, você é tão patético que me faz quase acreditar na bondade dos homens. - e puxando-o para um canto, diz sussurrando: - sei que você teve boa intenção, mas o que eu quero não é ser compreendido.- e aumentando o tom de voz - quero é ser temido por estes miseráveis! muahahahaha!!
Câncer, que tinha escutado o comentário acidentalmente, resolve interferir no diálogo:
- Você é mesmo um mal agradecido, Escorpião. Todo mundo te descascando, não só neste Tribunal, mas na vida, e o amigo Peixes querendo mostrar o seu lado bom. Se dependesse de mim, você seria mesmo era queimado no Inferno.
- Prefiro que pensem que sou o Diabo do que tenham pena de mim!
Peixes, frustrado e sem saber o que dizer, sai nadando pelo ar, porta afora. Foi ensaiar o saxofone para a apresentação daquela noite, na qual Leão exibiria uma coreografia de salsa para suas músicas. 
- Y es verdad soy un borracho,
 pero que le voy a hacer,
uno no es lo que quiere,
sino lo que puede ser.  

Gêmeos estava extasiado: "ainda bem que filmei tudo. A matéria será um furo, e eu tenho como provar que...droga, estava sem pilha!!" 
Depois daquela tarde de marte em libra, todos se sentiram exaustos. Sentiram que de tudo o que fizeram, nada tinha valido a pena. Era a necessidade de mover, porém sem saber para onde. Apesar disso, estavam dispostos a ganhar a noite. Alguns indo para a casa descansar e outros aproveitando para curtir o show de Leão, que seria quase de graça até as 19 horas. Sagitário procurou por Áries para tratar sobre seus honorários, mas o mesmo já tinha partido há muito tempo, sem que ninguém notasse. Ele não teve paciênciia de ficar ali ouvindo mimimi. Escorpião estava um pouco desapontado: "sempre tem um Peixes para me fazer questionar meus valores de vilão". Touro aproveitou que os ânimos se esfriaram para cobrar seu dinheiro a Sagitário. Aproximou-se dele como quem não quer nada e iniciou uma conversa:
- E então, Sagitário, como vai o senhor?
- Tranquilo.
- E a vida, a família, direitinho?
- Tudo na paz, graças a Deus.
(Pigarro)
- Sagitário, queria aproveitar que a gente se esbarrou por aqui, pra falar de uma assunto. Não sei se você se lembra, mas tem tempo já. Você sabe que tem um débito comigo, né? aliás, um não, vários. Além de comprar fiado no meu bar, pediu-me um empréstimo bem generoso uma vez, no que concedi, mesmo sem estar em condições para tal. Bom, empréstimo este que até hoje não foi pago, nem dentro do prazo e nem depois, e sem deixar satisfações, apesar das inúmeras tentativas que eu tive de entrar em contato com você. Não que eu esteja desconfiado, longe disso, mas é que você sabe, tenho também minha dívidas e no momento, faz-se mais do que necessário recorrer ao ressarcimento deste empréstimo, pois o meu bar está passando por uma situação muito delicada.
- Meu caro amigo Touro, entendo a sua situação. Não sei se você percebeu, mas o meu cliente Áries saiu daqui sem me pagar e sem me dar satisfações. Agora veja você, eu passo cinco anos estudando direito numa faculdade, faço pós-graduação e mestrado, gasto todo o meu latim para defender a parte dele...e isso é investimento! sim, é capital! Gasto meu capital humano para prestar-lhe um serviço de excelente qualidade, e ele o que faz?
Touro gesticula como se não soubesse a resposta. Sagitário continua:
- Ele simplemente finge que não me conhece. Sai sem dar a menor satisfação e nem ao menos me cumprimenta. E eu, que tenho dez, eu disse dez anos de OAB, nunca na minha vida tinha passado por uma situação tão ridícula. Eu poderia estar no meu escritório analisando um processo milionário, poderia estar no tribunal defendendo casos valiosíssimos, mas não, estou aqui, levando o maior balde de água fria do amigo em quem confiei e dediquei todo o meu trabalho. Agora me diga, amigo Touro, me diga: como posso eu, depois deste golpe inesperado, pagar minhas próprias dívidas? quem dirá as suas!
- Sagitário, você vai me desculpar a franqueza, mas a sua defesa não foi lá de se ter elogios. Por causa dos seus comentários impertinentes, a audiência virou a maior confusão e se transformou numa tremenda baixaria! Vamos concordar que Áries teve toda razão em ficar irritado com o senhor!
Indignado, Sagitário faz uma expressão de espanto e incredulidade:
- Como é que é? Como assim "não foi lá de se ter elogios"? Fique sabendo você que eu tenho dez anos de experiência, dez anos de OAB e nunca nesta vida recebi uma única reclamação de cliente, e nunca perdi um único caso, com excessão de hoje, é óbvio.
- Como é que você pode ter dez anos de OAB se tem a mesma idade que eu, trinta anos? formou-se cedo, não foi? entrou na faculdade com quinze anos? e como teve tempo para fazer mestrado e pós, senhor Sagitário? ai, ai...
- Olha, Touro, sei que você está muito aborrecido por causa do seu dinheiro, mas isso não é motivo para me desqualificar e me ofender com suas insinuações. 
- Eu não estou insinuando nada. Aliás, estou preocupado apenas com o meu dinheiro, e quero saber quando é que você pretende me pagar.
- Quando eu pretendo te pagar?
- Isso, quando pretende me pagar?
- Mas vocês, judeus, só pensam em dinheiro. Bem que meu pai dizia: nunca se meta com essa raça de usurários. Eles não consideram a amizade.
- Olha, agora é você quem está me ofendendo. Não é por ser judeu que eu gosto de emprestar dinheiro e jamais viveria disso. Seu pai não passa de um nazista, anti-semita com essa ideologia medieval de associar o judaísmo à usura. Eu odeio emprestar dinheiro e vender fiado! que fique bem claro. Só o fiz porque você insistiu muito, e minha esposa disse que não era bom ser avarento com os clientes. Eu sou comerciante, estudei e me formei em gastronomia, tenho um estabelecimento que presta serviços de alimentação e lazer, portanto, tenho dívidas a pagar, fornecedores, funcionários, energia, água, materiais, perdas, roubos, furtos e calotes. Fora que muitas vezes não tenho lucro e preciso de dinheiro para cobrir o Passivo.
- Touro, cara. Não sei porque você está fazendo tanto drama por causa da grana. Eu vou te pagar, cara, mas não precisa ficar desse jeito. Você tem seu bar, tem o espaço novo que abriu para música latina, pode muito bem recuperar esse dinheiro. Hoje mesmo vai ter show  de Leão, vai bombar. Não precisa colocar a culpa nos amigos. Olha, não é por nada não mas meu pai bem dizia que preferia dever ao Diabo do que dever a um judeu. 
- Sério? então vai, peça dinherio esprestado ao Diabo. Ou melhor, peça para Escorpião, ele é um excelente credor. Vai penhorar seus bens móveis e hipotecar sua casa. Quando você não pagar dentro do prazo, ele não virá cobrar como estou fazendo agora. Não vai ficar te ligando, torrando a paciência e gastando a voz como estou fazendo. Vai fingir que não sabe de nada, enquanto calcula juros sobre juros, moeda sobre moeda, prazo sobre prazo. E no final, quando achar que não tem mais nada seu para se apoderar, aparecerá de repente em sua casa com um oficial de justiça e tomará tudo que um dia pertencera a você. Vai lá, fala com ele. Pede dinheiro para me pagar. Melhor dever a ele do que dever a mim, não é?
- Já vi que com você não tem diálogo mesmo. Sabe de uma coisa? eu vou embora. Mas não se preocupa não, eu vou te pagar. Hoje mesmo vou fazer um empréstimo com um dos meus clientes milionários e você vai ver, vou colocar tudo na sua conta.
- Ótimo, faça isso.
- Sim, vou fazer. Mas agora eu vou embora, sabe por que? você não merece minha amizade.
- Olha, a essa altura estou dispensando a sua amizade, só quero que pague o que me deve. 
Enquanto Sagitário saía aborrecido, Touro ainda teve fôlego para gritar:
- Ah, e não se esqueça que o número da minha conta é 2004- V, agência 6969, variação 24 poupança vênus, Banco Satanesco. Eu te mando um e-mail e uma mensagem pro celular, com tudo anotado, assim não terá desculpa!!!! 
Depois ele pensou: "Droga, nunca mais voltarei a ver esse dinheiro".
Aos poucos, todos foram se ajeitando e deixando o local para levarem suas vidas normais de sempre, com excessão de Libra. O policial Virgem, acompanhado de dois homens, mostrou para a meritíssima o distintivo de Policial Federal e informou que ela tinha sido indiciada por corrupção, assédio moral, uso de entorpecentes e tráfico ilegal de pessoas, e que deveria acompanhá-los até a delegacia, com direito a um telefonema.
- Esperem aí, que negócio é esse? não podem me levar assim, agora. Hoje à noite vou dar uma festa importantíssima na minha mansão, com a presença de pessoas da alta sociedade. O que vou dizer para eles?
- Na situação da senhora - aconselha virgem - eu me preocuparia mais com o que dizer no Tribunal. A senhora pode ser presa, se quer saber.
- Presa? não podem fazer isso! não posso ser presa! quero ter como penalidade a  aposentadoria compulsória, assim não preciso mais trabalhar para esses animais, e continuo recebendo meu vencimento, dando festas e gastando com roupas e jóias.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Aconteceu na Tabela Periódica


E eis que um belo dia o Carbono acorda e diz ao Oxigênio:
-Amigo, preciso lhe dizer.
-O que lhe aflige, caro Carbono?
-Eu nunca gostei de ser tetravalente. Nunca gostei de pertecer à família 4A. EU SOU MUITO MAIS DO QUE ISSO!
-Acalme-se, meu rapaz. Diga-me, o que tanto lhe incomoda na família?
-Não sei dizer, mas é que não temos muito destaque na tabela periódica. Minha família nem sequer tem um nome. E eu sou um elemento tão dedicado. Passei minha vida toda trabalhando noite e dia. Trabalhei em diversas áreas, da glicose ao diamante, principalmente ao lado de elementos importantes como você e o solitário Hidrogênio. Não é justo essa falta de reconhecimento.
-A vida é dura como um diamante e fria como a água.
-Não posso aceitar tanta exploração sem algum reconhecimento. Os gases nobres estão lá, parasitando no Clero da sociedade. Não se misturam com ninguém, não ajudam, vivem soltos por aí fazendo o que bem entendem. Os metais nobres então, vivem na Corte com seus trilhões de súditos, não servem pra quase nada, só pra enfeitar. Eles não compoem os seres vivos, não são essenciais para a vida, sabe? Os metais alcalinos ainda fazem alguma coisa, assim como os alcalinos terrosos, mas ainda assim não trabalham como eu e você. Aliás, você, calcogênio e os halogênios possuem ao menos um nome, e eu nada. Não sou nada e ainda assim sou o único que participa da pedra mais dura do universo. Faço mirabolâncias pra deixar as pessoas mais bonitas, para alimentá-las, pra produzir energia...
-Você é alguém, sim. Você é o Carbono, meu querido Carby ♥. Eu não tenho vergonha de você e quero assumir nosso namoro para todos o mais rápido possível. Vamos compartilhar nossos elétrons e fazer CO2 para sempre.
-Você fala essas coisas, mas eu sei que tem um caso com o Hidro.
-Ah, com o Hidro foi só passatempo. Ele é muito egoísta e não possui metade das suas qualidades. Eu amo mesmo é você.
-Sério?
-Sim, Carby. Abrace-me forte, sinta meus íons tocando os seus...
-Ohh, como isso é bom...

[MONÓXIDO DE CARBONO SAINDO DA CHAMINÉ]

quinta-feira, 3 de março de 2011

MONDO



Série "melhores filmes da minha vida". Não falarei sobre todos, mas apenas alguns, na medida em que eu me lembre deles, e que consiga ser breve, pois é quase impossível pra mim falar de uma obra sem falar de seu autor e entrar em detalhes. Tentarei focar-me apenas na obra. Este aqui é do francês-argelino-cigano Tony Gatlif. O filme conta a história de Mondo, um menino- talvez de origem cigana- que aparece de repente numa cidade francesa, sozinho, e que não sabe de onde veio. O mais interessante do filme é que ele mostra as vantagens e desvantagens de estar sozinho no mundo. O garoto não tem lar, proteção e identidade, mas no entanto possui liberdade, não só de ir pra onde quiser, mas de conhecer pessoas novas, de fazer amizade com quem deseja e aprender o que tem vontade. Mondo é visivelmente um amante da liberdade e da independência. A impressão que o personagem me passou é que ele não quer se "ajustar" à sociedade. Quando chega um policial para tirá-lo das ruas, ele foge, tem medo. A polícia é vista como uma força opressora do Estado, que age indiscriminadamente . O menino representa muito bem o povo cigano, ou a "alma do cigano": ele sofre preconceito das autoridades por ser uma criança "solta", por não ter noção de suas origens, e por isso é tachado de perigoso, quando na verdade ele não passa de uma criança inofensiva e carismática, que deseja ter um lar (algumas vezes ele pára pessoas na rua e pergunta, com um sorriso no rosto, se a pessoa quer adotá-lo), mas não abre mão da liberdade. Quem conhece Tony Gatlif, sabe que suas obras são voltadas para o combate ao estereótipo que existe (e a ignorância) em relação aos ciganos. Quem não o conhece, vale a pena conhecer. Mondo é um filme leve, que pode ser visto por todos, e que nos faz refletir sobre um mundo que desconhecemos e ignoramos, mas que está presente na vida de muitos.

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Follow the yellow brick road [siga o padrão ouro]


O Mágico de Oz. E você achava que era só mais uma estorinha infantil sobre mágicos, bruxas e fadas. Não, meu caro leitor. Americano que se preze, nunca perde a oportunidade de fazer uma lavagem cerebral por meio da arte, antes mesmo do cinema e de hollywood. Sempre há uma mensagem obscura por trás de gnomos e bichinhos silvestres. Haha. Bem, dessa vez a tal lavagem foi, ao meu ver, mais leve, digamos assim. Apenas um descontentamento de pessoas honestas e trabalhadoras. Trata-se de um apelo ao uso do bimetalismo numa época de deflação. No mundo econômico essa história não é novidade, mas muita gente leiga desconhece o caso. Vou explicá-lo melhor (do jeito que entendi): Começando pelo nome "Oz", que é o símbolo da onça, medida de peso nos EUA. Naquela época, o ouro era o único metal usado como moeda, e portanto sua escassez causava uma falta de liquidez na economia, gerando deflação. Quem se beneficiava com isso eram os banqueiros e financistas do leste, com os juros altos, e eram eles os defensores do padrão-ouro. Só que a falta de liquidez prejudicava os setores mais produtivos e tirava o emprego de agricultores e operários, por causa da taxa de juros elevada. Se houvesse outro metal em circulação, como a prata, a liquidez aumentaria e os juros baixariam, movendo o setor produtivo da economia. Daí então surge um furacão no Kansas (analogia ao movimeto populista de fazendeiros arruinados que cresce com aderencia de outras camadas e luta fortemente contra os financistas e poderosos de Washington) e Dorothy, que representa o povo americano dentro desse movimento, cai justamente sobre a bruxa do leste (analogia com os banqueiros de New York). A bruxa morre e sobram apenas os sapatos de prata (que simboliza, obviamente, a prata, esperança para o uso do bimetalismo). No filme, os sapatos de prata são substituídos por sapatos de rubi. Para voltar pra casa (ou seja, para retornar ao Kansas com as dívidas pagas e dinheiro para investimento), Dorothy precisa encontrar o Mágico de Oz (presidente do partido republicano Mark Hanna) seguindo a estrada de tijolos amarelos, uma clara analogia ao padrão ouro da época. No caminho encontra um espantalho (agricultores arruinados), o homem de lata (operários desempregados) e o Leão covarde (William Bryan, ex-candidato à presidência e defensor do bimetalismo, que no entanto parecia às vezes divergir sua posição quanto ao tema, sendo chamado de covarde ou traidor). Esses personagens se encontram ao longo da narrativa e vão juntos em busca do Mágico na cidade das Esmeraldas (Washington DC). A esmeralda é uma analogia ao verde do dólar. O grupo finalmente encontra o Mágico, que impõe uma condição para fazer a "mágica": devem matar a bruxa do oeste. Essa bruxa seria talvez as forças da natureza, como a falta de chuva, que prejudica as plantações. Dorothy acaba matando a bruxa por acidente com um balde de água. A analogia com a água é que, além de ser essencial para a agricultura, ela também representa a "liquidez", mais uma vez reforçando as vantagens do bimetalismo. Por fim, quando Dorothy volta ao mágico para que ele cumpra a promessa de levá-la de volta pra casa, ela descobre que ele não é mágico, é um homem comum e não pode ajudá-la, o que é uma analogia ao mito de que o padrão ouro seria a solução. Frustrada, ela acaba encontrando uma fada que a aconselha a bater nos sapatinhos de prata e fechar os olhos. Ela finalmente consegue voltar ao Kansas. O desfecho da estória fala justamente sobre o uso da prata (bimetalismo) como único caminho viável para a solução do problema da falta de liquidez e da crise econômica. Daí tudo acaba bem e o povo americano fica rico e feliz, rs. Fiquei sabendo que a Disney está produzindo um "prelúdio do Mágico de Oz": "Oz, the great and powerful", que será dirigido pelo cara da trilogia do homem-aranha. Credo.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

A excêntrica vida de Lupicino Gerundiano (Parte 1)


PS: essa peça é uma ficção. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.

Patrocínio: Grife BM´s sun glasses

EL ANTIFAZ DRAMATURGIA APRESENTA:

UMA PRODUÇÃO DE: Melina Passos

A EXCÊNTRICA VIDA DE LUPICINO GERUNDIANO

"Amor, só de mãe. Paixão, só de Cristo. Quem quiser me amar, sofra ofra ofra."

PERSONAGENS:

LUPICINO GERUNDIANO: jovem alto, pálido, cabelo rubro, voz grave, temperamento forte.
MANOEL DA PADARIA: pai de Lupicino, baixo, moreno, bigodudo, medroso.
MÃE: mãe de Lupicino, alta, branca, ruiva, temperamento forte.
ERASMO: gato de Lupicino, Pêlo amarelo e branco.
IRMÃO MAIS VELHO: irmão de Lupicino, pessoa folgada.
GARÇOM: garçom do boteco
VELHA: macumbeira da região
LOUCA: senhora embriagada
MARTINI: empresário

CARUARU-PE, 2010

PRIMEIRO ATO [música de Billie Holiday]

CENA 1: [Ouve-se gritaria pela casa]

MANOEL DA PADARIA: [entrando desesperadamente no quarto de Lupicino e trancando a porta]

"Lupicino! Me ajuda, por favor! Preciso me esconder."

LUPICINO:

"Mas que diabos está acontecendo nessa casa?"

MANOEL DA PADARIA:

"Tua mãe, Lupicino! Ela quer me bater. Não deixa ela entrar!"

LUPICINO:

"Era só o que faltava! Vai, sai daqui. Não quero saber de defunto no meu quarto."

MÃE DE LUPICINO: [portando uma faca]

"Segura esse desinfeliz! É hoje que eu acabo com a raça dele!"

MANOEL DA PADARIA:

"Estás vendo, Lupicino? Ela está fora de si. Não abra essa porta."

LUPICINO:

"Oras, pensas tu que isso é programa da Marcia Goldschimidt? Vós que resolvais vossos problemas. Retirar-me-ei daqui em busca de paz. E tem mais uma coisa: homem frouxo tem mais é que apanhar de mulher mesmo. [sai do quarto e deixa a porta aberta]

Cena 2:

[Lupicino vai ao banheiro, mas se depara com a porta trancada. Vai no outro banheiro e, a mesma coisa. Resolve bater na porta]

LUPICINO:

"Quem defeca?"

IRMÃO MAIS VELHO:

"Sou eu"

LUPICINO:

"Por que hesitas tanto em libertar essa bosta dos infernos que habita teu cu bolorento? Quero dar uma mijada."

IRMÃO MAIS VELHO:

"Problema teu. O cu é meu e cago quando quiser."

LUPICINO:

"Ratazana. Preciso sair dessa casa. É muito cu pra pouco banheiro. Preciso de um mijador só pra mim." [senta no sofá e abraça seu gato Erasmo]

ERASMO:

"Miau."

LUPICINO:

"Também cansei dessas ratazanas, Erasmo. Quando a porta do banheiro se abrir, essa casa vai feder mais do que desodorante vencido no subaco.

[barulho de descarga]

IRMÃO MAIS VELHO: [saindo do banheiro feliz]

"Ah, como é bom respirar ar puro..."

LUPICINO:

"Pois o único ar que eu respiro aqui é o ar do teu cu, Ó diabo. Tinhas que abrir a porta do banheiro depois de parir tua merda diarrenta? Devias era ter colocado uma placa 'Interditado por dois dias'."

IRMÃO MAIS VELHO:

"E tua merda cheira a Dior, suponho."

LUPICINO:

"Exato. Na última conversa que eu tive com o Christian, ele pediu para que eu lhe enviasse um fax com o número da minha conta pra depositar a minha parte pela contribuição no último perfume lançado pela grife."

IRMÃO MAIS VELHO:

"Tu és tão rude e ficas te fazendo de phyno. Chegas nos lugares falando alto e cantando como se não houvesse amanhã. De cada dez frases tuas, nove possuem pelo menos um palavrão ou ofensa pessoal."

LUPICINO:

"Sou educado, oras. Por obséquio, tome no seu cu, sim?"

IRMÃO MAIS VELHO:

"E ainda se acha engraçado, aposto. Acha-se o máximo emitindo palavras de baixo calão e ofensas primitivas como "cu". É muita hipocrisia de algumas pessoas ao tentar se passar por phynas quando no fundo só sabem falar palavrão."

LUPICINO: [levantando-se, alterado]

"Bom se o problema do palavrão é comigo, tome no seu com uma vara dobrada 3 vezes, rode e dance a macarena, depois quede bem no olho da roda de sansara. Que idiotice, todo mundo fala palavrão, todo mundo tem um cu. Isso sim é hipocrisia: negar a existencia do furo. Venha, Erasmo. Vamos sair daqui. Não quero que te mistures com essa gentalha. /florinda"

ERASMO: [fazendo careta]

"Miau! Miau! Blrrr."

[Lupicino sai da casa com o gato]

CENA 3:

[Lupicino encontra um matagal, onde consegue mijar em paz. Logo depois, acende um cigarro e caminha pelas ruas com seu gato na noite de inverno]

CORAL:

"Is this the real life?
Is this just fantasy?
Caught in a landslide
No escape from reality
Open your eyes
Look up to the skies and see
I'm just a poor boy (Poor boy)
I need no sympathy
Because I'm easy come, easy go
Little high, little low"


LUPICINO:

"Anyway the wind blows, nothing realy matter to me. To me..."

[entra no boteco]

GARÇOM:

"Olá, Lupicino. o que vais querer hoje?

LUPICINO:

"Uma dose de tequila 100% agave pra mim e uma xícara de leite pro gato."

GARÇOM:

"Desculpa, não trabalhamos com laticínios."

LUPICINO:

"Que decadência, hein. Com tanta vaca nessa cidade, era de se esperar que a oferta de leite fosse maior. Bom, mas sendo assim, duas doses de tequila 100% agave."

GARÇOM:

"O gato vai beber tequila?"

LUPICINO:

"Mas é claro, oras. Faremos um brinde em homenagem a Paola Bracho, em seguida o ritual com sal e limão, botaremos pra dentro de uma vez só a "margosa" e cantaremos 'La Cucaracha' versão Calipso na joça. O Erasmo interpretará a Joelma, dando gritinhos esparsos durante a canção, e eu serei o Chimbinha visual coccon".

[Garçom sai e volta com o pedido. Lupicino toma as duas doses de tequila]

LUPICINO:

"É como eu te disse, Erasmo. Esse ano...esse ano tudo vai mudar. Ano passado ó...já era. Está tudo acabado. Nada mais importa. Nada mais importa...As pessoas olham pra mim e pensam talvez que eu sou de outro planeta. Imagina só, Erasmo. Vontade de dizer 'Não. sou daqui mesmo. Nasci no meio dessa imbecilidade.'

ERASMO:

"Miauuu."

LUPICINO:

"Nada mais importa...Não existe inocente nesse mundo. Não existe inocente, o que existe é esperto ao contrário /estamira. Chega!"

LUPICINO: [chamando o garçom]

"Emily, traga mais tequila, sim?"

GARÇOM:

"Aqui está. Não me chamo Emily."

LUPICINO:

"Emily, o gato tem sede. Faça alguma coisa."

GARÇOM:

"Já disse que não trabalhamos com laticínios. Mas posso trazer um pouco de água."

LUPICINO:

"Não. Hoje nós queremos nos embriagar. Não terias por acaso algum vinho? Mas tem que ser francês, o Erasmo é muito exigente. Desde o dia em que eu o ensinei a miar em francês, ele cismou em comer os caracóis do quintal lá de casa, pensando que eram scargot."

GARÇOM:

"Não temos vinho francês, mas temos um português."

LUPICINO:

"Deixe-me ver."

[o garçom traz o vinho]

GARÇOM:

"Vinho Periquita. Tinto seco, elaborado com uvas viníferas tintas européias. É muito bom. Estamos com um preço promocional de 20 reais a garrafa."

LUPICINO:

"Mas veja se eu vou dar 20 reais numa periquita. O Erasmo não aprovou o produto. Saia da minha frente, Emily."

GARÇOM:

"Eu já disse que meu nome não é Emily."

LUPICINO:

"Sei disso. Emily é o arquetipo do serviçal/subalterno, by Miranda Priestly."

GARÇOM:

"Nossa, que engraçado."

LUPICINO:

"Aliás, traga-me logo a conta. Sabe de uma? Vou sair dessa birosca. Como diria Bia Falcão: pobreza pega. E um boteco que não serve vinho francês, não merece meu respeito nem o respeito de Edite Piaf. /rica"

GARÇOM:

"Haha. Sertanejo do Nordeste tirando onda de gringo. Era só o que faltava pra terminar minha noite."

LUPICINO:

"Não me confunda com tua infância, calango safado. Traga logo esse diabo dessa conta que não quero tardar a partir desse boteco de quinta."

ERASMO:

"Miô."


CENA 4:

[Lupicino, embriagado, erra pelas ruas com o gato, e não consegue se lembrar do caminho de casa]

LUPICINO:

"Não se aflija, amigo. Como diria o Mestre dos Magos: O caminho de volta pra casa está mais perto do que vocês imaginam, crianças."

ERASMO:

"Miau."

LUPICINO:

"Mama, ooh
Didn't mean to make you cry
If I'm not back again this time tomorrow
Carry on, carry on as if nothing really matters
Too late, my time has come
Sends shivers down my spine
Body's aching all the time
Goodbye, everybody
I've got to go
Gotta leave you all behind and face the truth
Mama, oooooooh (Anyway the wind blows)
I don't want to die
Sometimes wish I'd never been born at all

[Erasmo começa a correr]

LUPICINO:

"Uni! Volta aqui, unicórnio safado!" [corre atrás do gato]

CORAL:

I see a little silhouetto of a man
Scaramouch, Scaramouch, will you do the Fandango
Thunderbolt and lightning, very, very frightening me
(Galileo) Galileo (Galileo) Galileo, Galileo Figaro
Magnifico-o-o-o-o
I'm just a poor boy nobody loves me
He's just a poor boy from a poor family
Spare him his life from this monstrosity

Easy come, easy go, will you let me go?
Bismillah! No, we will not let you go
Let him go
Bismillah! We will not let you go
Let him go
Bismillah! We will not let you go
Let me go (Will not let you go)
Let me go (Will not let you go) (Never, never, never, never)
Let me go, o, o, o, o
No, no, no, no, no, no, no
(Oh mama mia, mama mia) Mama Mia, let me go
Beelzebub has the devil put aside for me, for me, for me!

LUPICINO: [correndo atrás do gato]

"So you think you can stone me and spit in my eye
So you think you can love me and leave me to die
Oh, baby, can't do this to me, baby
Just gotta get out, just gotta get right outta here"

[gato encontra a casa e eles param de correr]

LUPICINO:

"Uni, achaste o caminho de casa!

Nothing really matters
Anyone can see
Nothing really matters
Nothing really matters to me"

CORAL:

"Anyway the wind blows..."

LUPICINO:

"Vai, larga do meu pé, coral dos infernos!"

[coral sai]

LUPICINO:

"Por hoje chega. Já aconteceram muitas coisas extravagantes pra um dia só. Vou tomar um comprimido de lexotam e apagar que nem vela de bolo de aniversário."

[Lupicino avista uma senhora de idade colocando um banquete na porta de sua casa. Ele esfrega os olhos para ver melhor e conclui que se trata de um despacho. Não pensa duas vezes e chuta as iguarias, jogando o prato de farofa no rosto da senhora]

LUPICINO:

"Mas o que é isso agora hein? Tome seu rumo e rapa daqui, sua velha macumbeira! Vá colocar despacho na casa do satanás!"

[A senhora sai, assustada]

LUPICINO:

"Mas será possível que não se tem paz nessa cidade? Isso só pode ser coisa da infeliz da minha ex. Ficou com o cu pipocando quando eu disse pra quenga que botei uns chifres nela. Tenho culpa se é verdade? Nego pede pra ser sincero e depois não quer ouvir. E ainda tem a ousadia de me mandar esses exus pra me infernizar. Por mim, quero mais é que prendam uma bomba no pé da rapariga e que ela se exploda. /binladen"


CENA 5:

[Festa de aniversário de uma cinquentona. Lupicino é contratado pra cantar músicas de Roberto Carlos e coisas do gênero]

LUPICINO:

"Quando eu estou aqui
Eu vivo esse momento lindo
Olhando pra você
E as mesmas emoções
Sentindo...
São tantas já vividas
São momentos
Que eu não me esqueci
Detalhes de uma vida
Histórias que eu contei aqui...
Amigos eu ganhei
Saudades eu senti partindo
E às vezes eu deixei
Você me ver chorar sorrindo...
Sei tudo que o amor
É capaz de me dar
Eu sei já sofri
Mas não deixo de amar
Se chorei ou se sorri
O importante
É que emoções eu vivi...

Hehe. São tantas emoções.../roberto

[Uma mulher começa a cantar animadamente, tão alto que chega a atrapalhar o trabalho do cantor]

LOUCA:

"Amigos eu ganheiiiiiiiiiii...saudades eu senti partindoooo..."

LUPICINO:

"Alguém por gentileza pode tirar essa louca daqui?"

LOUCA:

"E às vezes eu deixeeeeeeeeei você me ver chorar sorrindooooooooo!!!!!!!"

LUPICINO: [ao microfone]

"Peço perdão à platéia, mas não tenho a menor condição de continuar a cantar com a exaltação desta senhora."

MARTINI: [em particular]

"Cara, essa é a irmã da aniversariante. Dá um desconto."

LUPICINO:

"Vixi. Cambada de família de doido."

[Lupicino continua, tentando prender o riso ao ver o espetáculo da mulher embriagada. Ao final da apresentação, Martini o aborda]

MARTINI:

"Posso falar contigo?"

LUPICINO:

"Pois não. Mas seja breve, hoje estou com vontade de meter a mão na cara de um."

MARTINI:

"Deixa eu me apresentar. Meu nome é Martini."

LUPICINO: [estendendo a mão]

"Lupicino Gerundiano."

MARTINI:

"E não sei? Ouvi falar de ti uma vez, fiquei interessado e apareci aqui para conferir. Estou precisando de músicos para contrato de longa duração e quero te fazer uma proposta."

LUPICINO:

"É o tipo da coisa: a gente é músico em início de carreira mas não aceita qualquer oferta não. Por exemplo, ter que lidar com senhoras na menopausa. Descobri hoje que não tenho vocação pra funcionário do INSS."

MARTINI:

"Haha. Tranquilo. Nada de senhoras. A proposta se trata de uma viagem internacional. Não sei se esse tipo de mudança cabe nos seus planos, mas talvez essa seja a oportunidade para expandir suas fronteiras e mostrar seu talento."

LUPICINO:

"A conversa começa a ficar interessante. Noite passada tive uma reunião com John Coltrane e ele me disse: 'You must visit New York!".

MARTINI:

"Bom, não era bem isso que eu tinha em mente. Amanhã, eu e um grupo de músicos partiremos para Pedro Juan Caballero, no Paraguai, uma cidade muito movimentada e bem turística. Eu comprei um bar antigo, mas muito bem localizado, e irei reformá-lo. Colocarei alguns músicos para tocar à noite, todos os dias, serviremos bebidas e talvez comida. Cada dia exibiremos um estilo diferente de música, assim observamos qual é o estilo mais aprovado e então nos focaremos nele adiante. Será um sucesso, não achas?

LUPICINO:

"Ah, tá. Logo vi que um sujeito chamado Montilla não poderia fazer uma proposta à minha altura. Tinha que ser coisa de pirata e pirataria. Desde quando ir para o Paraguai significa fazer uma viagem internacional? Aquilo é praticamente o cu da Amazonia. Um músico que se preze faz o seguinte itinerário: Buenos Aires - Paris - Nova Iorque. Paraguai não está no meu roteiro."

MARTINI:

"Não é Montila, é Martini, rs. Mas eu pensei que tu fosses um músico de vanguarda. Tipo, deixar de lado esse mito de que o bom artista tem endereço marcado, uma vez que o importante é o talento, e não o lugar. Poderias fazer muito sucesso no Paraguai, tornar-se uma celebridade latina, e logo depois, ires pra onde quiseres. Além do mais, de Pedro juan pra Buenos Aires é um pulo, não tardarias a lograr tua viagem. Imagina só que fascinante, o nordestino que migrou para o sul da América com um projeto totalmente inovador sem nenhuma expectativa, e acabou cativando os nativos."

LUPICINO:

"Não sei, preciso pensar. O que Amy Winehouse faria nessa hora?"

MARTINI:

"Partiremos amanhã cedo. Não tens muito tempo pra pensar."

LUPICINO:

"Está bem, combinado. Decidi aceitar porque preciso sair de casa. Muito cu pra pouco banheiro. E além disso, gosto do perigon do CAC paraguaio."